Na linda e poética praia de Cabeçudas passei e vivi intensamente todos os verões da minha infância e quase todos da minha já muito longínqua juventude.
Cabeçudas, nos anos 30, era uma praia quase nativa, de 800 metros de extensão que pertencia como até hoje pertence ao município de Itajaí, do qual agora é um luxuoso bairro.
Meus pais, naquele tempo, possuíam uma pequena casa de misto de madeira e material e foi um de seus primeiros moradores, pois lá havia se tanto uma dezena de moradias, quase todas de madeira. A casa de meus pais ficava no meio da praia, bem em frente a três grandes pedras lisas, e quase interligadas, que alguns dizem ter inspirado o seu nome, já que outros em sua maioria, afirmam ou atribuem a grande quantidades de enormes tartarugas, que como soe acontecer, de vez em quando, vinham a tona exibindo suas cabeças pescoçudas.
Seja lá qual for a origem do seu nome, a verdade é que Cabeçudas era um verdadeiro paraíso, uma poesia permanente.
Para lá chegar, tínhamos de percorrer um caminho de areia e pedregulhos, muito sinuoso, cheio de curvas perigosas onde trafegavam os “fordecos” como o de meu pai, as carruagens puxadas a cavalos, as carroças e os carros de boi, com aquele ruído característico que se ouvia de longa distância. Este caminho começava no final do lugar chamado Beira Saco, na ponte de madeira, mal cheirosa, pois ficava próxima ao curtume do Fritz Schneider. Passava-se em seguida de frente ao Hospital Santa Beatriz, o único do município, que tinha no lado oposto do caminho, uma gruta de pedras que abrigava a estátua da Santa. Mais a frente, chegávamos a praia da Atalaia onde seria mais tarde construído um “molhe” de pedras que iria facilitar a entrada na barra do Rio Itajaí, para que os navios tivessem melhor e mais seguro acesso ao seu Porto. Mais umas curvas e encontrávamos uma grande pedra que pelo formato foi denominado Bico do Papagaio, muito próximo a gruta do Coelhinho e da Praia do Zacarias, que tinha seu nome ligado a seu único habitante, o eremita Zacarias, com suas barbas cumpridas até quase a cintura e seu bastão no qual se apoiava para caminhar. Em seguida passava-se ao largo da Ilha das Cabras para enfim adentrar, a Praia que se iniciava com um Costão raso de uns 50 metros.
Nesta praia praticamente nativa iria erguer-se um hotel que durante muitos anos foi considerado o melhor ponto de veraneio da Costa do Estado Catarinense. O Hotel Cabeçudas, de propriedade de um alemão gordo, borrachão, o sr. Zwoelfer. Se de um lado fazia suas estripulias quando exagerava na ingestão dos seus maravilhosos vinhos, importados do Reno ou do Mosele, por outro lado era normalmente afável, inteligente e um excelente homem de negócios. A mocidade de hoje o denominaria de um “figuraço”.
Usava permanentemente um colete, com um relógio de bolso suíço e falava o português com um sotaque peculiar. Era extremamente competente e dirigia o hotel quase todo de madeira, com disciplina invejável. Para época, confortável e possuía uma clientela fiel e refinada. Sua mesa era farta e o menú único, era por sua mulher escolhido com capricho. Extremamente gentil com os hóspedes que gostava e vedava a entrada daqueles que por motivos seus, não lhe agradavam.
A praia de Cabeçudas tinha uma areia branca, tão fina que fazia um ruído a cada passo que se dava. Nas proximidades do caminho que a circundava, existia uma linda vegetação nativa rasteira, cujo nome não me recordo mais.
Como disse, tinha o início num Costão baixo e terminava num Costão cumprido e elevado. Bem em frente ao Hotel estava fixado a uns 600 metros mar a dentro, uma bóia com sinalização para a navegação, quase na linha do Morro mais alto do Costão, a que me referi, onde ficava o farol e a casinha do faroleiro.
Neste Costão, no seu início, foi construída pelos moradores e com doações dos comerciantes de Itajaí, uma Igrejinha, num elevado que tornava a paisagem ainda mais maravilhosa. O Costão elevado escondia por trás, duas pequenas pérolas da natureza, a minúscula de descida íngreme, Praia dos Morcegos e a esplendorosa, ainda que pequena, a romântica praia dos Amores.
Suas escaladas desafiadoras eram procuradas pelos excursionistas e por moradores locais e de Itajaí.
Havia uma abundância de pescados que eram capturados em pequenas redes, tarrafas ou na pesca com caniço nos Costões, que por sua vez, em suas pedras, escondiam uma fartura de goiás, e em buracos ainda mais profundos, muitas lagostas.
O pôr do sol, e deve ser assim até hoje, como o nascer do sol são maravilhas inesquecíveis aos nossos olhos. Verdadeiros cartões postais de beleza imensurável.
Guardo essa Cabeçudas na minha memória, como uma das mais belas recordações da minha vida, isso só me referindo a praia dos anos 30, pois escreveria um livro se contasse o tempo que nela passei nos anos 40, 50, 60, 70 com meus pais, minha mulher, irmãos, cunhadas, filhos, sobrinhos, primos, com os incontáveis e queridos amigos. Com eles, os momentos felizes que vivi e convivi.
Cabeçudas ocupa grande parte da minha memória e do meu coração, enfim se posso assim dizer, da minha história de vida.





0 comentários:
Postar um comentário