por Jezebel Salem
Uma refinada iguaria marinha que reúne qualificativos sem concorrente, ao contrário de seus ‘primos’ crustáceos, um molusco, denominado ostra, jamais foi devidamente valorizada no cardápio do brasileiro. Olhado com desconfiança, em sua aparência nua e gelatinosa, e ainda temido pelas severas intoxicações que pode causar ao comensal que não atentar à sua procedência, a desprezada ostra padece dos mais inóspitos preconceitos. E por fatores culturais, por desconhecimento e mais a escassa familiaridade, imposta pelas distâncias geográficas de suas áreas de origem, o alimento que poderia até ser uma solução para a má nutrição e fome no mundo, acaba ganhando status de iguaria exótica e de consumo excepcional. Seus apreciadores, nas grandes capitais do País, têm que buscar os restaurantes mais refinados se quiserem se deleitar com porções confiáveis, porém modestas, desembolsando em contrapartida, quantias nem tão módicas assim... Questões de frete e das distâncias no transporte, alegam fornecedores e distribuidores.
Em termos nutritivos, poucos alimentos se comparam a ostra. Riquíssima em proteínas, vitaminas e minerais, ela possui doses notáveis de zinco, ferro, magnésio, cálcio e muita vitamina A, entre outras. HÁ alguns anos atrás, quando as primeiras fazendas de cultivo de ostras, no litoral de Cananéia, SP, e especialmente em Santa Catarina (águas frias onde a principal espécie cultivável, Cassostrea Gigas, ou ostra do Pacífico, se deu melhor), se preparavam para obter sementes e maximizar uma produção sob controle, eu estava realizando uma vasta pesquisa para uma publicação especializa, quando, entre outras descobertas, deparei com a incrível informação, em algum estudo de biologia marinha, que cada animalzinho daquele, se degustado in natura, ou seja, cru, equivaleria, em termos nutricionais, a algo como tomar 9 copos de leite – por cada concha!..
Em termos nutritivos, poucos alimentos se comparam a ostra. Riquíssima em proteínas, vitaminas e minerais, ela possui doses notáveis de zinco, ferro, magnésio, cálcio e muita vitamina A, entre outras. HÁ alguns anos atrás, quando as primeiras fazendas de cultivo de ostras, no litoral de Cananéia, SP, e especialmente em Santa Catarina (águas frias onde a principal espécie cultivável, Cassostrea Gigas, ou ostra do Pacífico, se deu melhor), se preparavam para obter sementes e maximizar uma produção sob controle, eu estava realizando uma vasta pesquisa para uma publicação especializa, quando, entre outras descobertas, deparei com a incrível informação, em algum estudo de biologia marinha, que cada animalzinho daquele, se degustado in natura, ou seja, cru, equivaleria, em termos nutricionais, a algo como tomar 9 copos de leite – por cada concha!..
E mais: ostras não apresentam um mínimo de gordura e muito menos do temido colesterol. Sendo assim, não engordam!... Pode-se comer a dúzia inteira que não passará de umas 100 calorias. E o alarde de suas propriedades afrodisíacas, pode ser justificado pela admirável quantidade de zinco e de um raro aminoácido que, provaram recentes pesquisas, consegue elevar o nível dos hormônios sexuais, principalmente a testosterona.
Preparo e manuseio
Outro absurdo que ronda pelo folclore da sapiência nacional é que “ostra não tem gosto de nada e deve ser engolida rapidamente sem mastigar”. Como? Se aquilo é igual degustar num bocadinho, o mar inteiro!... Podem e devem ser mastigadas.
Ostras podem ser apreciadas assim que forem abertas, espremendo no máximo suco de limão, ou algum molho frio, bem temperado, do tipo coquetel. Pelo menos assim determinam os puristas – no que têm razões de sobra. Os ingleses e irlandeses (sim eles apreciam muito as ostras, e isso desde o tempo da dominação do Império Romano), costumam adicionar um pouco de manteiga e sal e engolir o molusco, assim cru e vivo. Mas as cozinhas do mundo também já se dedicaram a inventar receitas das mais elaboradas com esse molusco: ostras defumadas, cozidas ao vapor, aferventadas, assadas, fritas, gratinadas, entre outras.
Ao contrário do que pensa a maioria, a ostra sobrevive por um longo período, se devidamente bem acondicionada, em suas conchas fechadas – aliás, a concha rigorosamente fechada significa que ela está bem viva, comme il faut. Ostras, uma vez retiradas do mar e devidamente higienizadas, costumam durar por cinco dias, até uma semana, asseguram os conhecedores. Devem ser mantidas refrigeradas, sob baixa temperatura, em sua umidade própria, especialmente se o objetivo for saborear a iguaria in natura. Não podem ser congeladas; também não se deve guardá-las em água gelada, pois morrem mais rápido assim – abrem e perdem seu sumo. Abrir: só no momento do consumo.
Quanto mais frescas, tanto melhor no sentido de aproveitar todas suas características nutritivas, de vivacidade e sabores; afinal estamos diante de um prato que costuma ser avaliado quase com a mesma complexidade de um vinho, devido a variedade de sabores e consistências sutis, de acordo com a região e águas onde foi colhida ou produzida: algumas são mais salgadas, ou mais doces, ou mineralizadas e até frutadas! Portanto, também nada de passar a preciosidade sob a água da torneira, ao abrir – retiraria todo o sumo próprio, onde reside a essência e delícias do alimento. Ostra, afinal, é como um vidrinho que contivesse a essência dos oceanos.
Abrir a dita cuja requer um instrumento específico, um tipo de faca, quase uma espátula, curta, pontuda e com um apoio. Requer também prática e paciência. Esse animal marinho se protege selando os dois lados da concha com um músculo, que se posiciona numa das extremidades da casca: é ali que deve ser introduzida a ponta da faca, então forçar delicadamente até romper o músculo e ela começar a se abrir. Simples, não? Se não funcionar, um recurso, para quem for aplicar alguma receita culinária em seguida, é levar as conchas fechadas ao vapor – abrem todas sozinha, e pronto, só que desperdiçando boa parte dos nutrientes.
Paladares refinados e internacionais
No mundo todo, um prato de ostras costuma ser iguaria relativamente cara e luxuosa – especialmente se atravessar longas distâncias, de sua origem até os centros consumidores, em condições de transporte climatizado. É o caso de cidades como São Paulo e Brasília, considerados os maiores mercados para os grandes produtores de ostras de Santa Catarina – estado que domina 90% da produção brasileira, produção que há cerca de 15 anos vem investindo na criação controlada e não mais na coleta espontânea.
New York é famosa pelos oyster-bars, onde balcões de gelo moído compõem um glamuroso leito para acomodar meias conchas e suas soberbas ostras, das melhores procedências do mundo. Ali, o champagne rola solto! - naturalmente é a bebida que mais se distingue na companhia de algumas dúzias de moluscos frescos e carnudos. Já os irlandeses de Galway, realizam pontualmente em setembro o Galway Oyster Festivals, quando se reúnem para abrir milhares de ostras nativas, que são saboreadas imediatamente, acompanhadas de pits e pits da cerveja Guinness.
E pensar que ostras cruas já foi um prato barato e popular, muito comum entre as populações mais pobres de áreas costeiras, como as do Reino Unido, na Europa, e da Califórnia e do Maine nos EUA. Entre espanhóis da Catalunha e da Andaluzia, elas sempre foram bastante apreciadas – cruas, obviamente. Os italianos, desde a antiga Roma (que então importavam as melhores da Bretanha no Mar do Norte), costumam servi-las in natura. Curiosa e inversamente, os inventores do sushi e do sashemi de peixe cru, os japoneses, também adoram as ostras – porém só se estiverem bem cozidas...
Mas foram os franceses quem melhor caracterizaram e sofisticaram o seu consumo. O ‘bar de ostras’ é uma invenção do Mediterrâneo Provençal, que Paris não tardou a adotar. Aliás, no Iluminismo, os cortesãos daquele país viriam a celebrar ‘la vie en rose’ da alta gastronomia, sistematicamente ao lado de uma baixela cheia de gelo e ostras fresca, engolidas ao sabor de muitas taças de champagne, ou um Chablis. Uma das telas em que o repasto foi imortalizado, chama-se “O Almoço de Ostras”, pintado por Jean-François de Troy, no séc. XVIII (a cena reúne senhores da nobreza ao redor de uma mesa, em salão de castelo estilo greco-romano, todos já bem à vontade).
Personagens ilustrados, como Richelieu, Montesquieu e principalmente Voltaire, foram amantes entusiasmados dos novos sabores, mais delicados e voláteis, como os dos moluscos – há registros que o célebre pensador era capaz de se considerar satisfeito com algo perto de 25 dúzias por vez!... Um cortesão francês, então exilado em Londres, um certo Conde de Saint-Évremond, escreveu em 1705: “Em matéria de gosto, as ostras – especialmente as de Colchester – haviam conseguido superar toda alada criatura, toda veação, as carnes negras e os guisados. Ostras, vencestes! Só as trufas serão tão apreciadas”.
Competência catarinense
Atingindo a produção de 3 milhões de dúzias ao ano, Florianópolis, Santa Catarina, é espécie de Meca das ostras de criação. A ostricultura é atividade recente no País, tendo início a cerca de 15 anos atrás, como forma de alcançar não só uma alta produtividade, mas principalmente de garantir a qualidade sanitária do produto. Como se sabe, é ai que mora o perigo, pois os moluscos chegam a filtrar milhares de litros de água por dia, e dessas águas depende a contaminação ou pureza do produto. Quem já não ouviu falar de alguém que ingeriu meia dúzia de ostras, dessas servidas em barraquinhas de praia, e colhidas em qualquer canto poluído da costa brasileira, e quase morreu de intoxicação? Pois, ostras, muito mais que o período da validade, correm o risco de acumular as mais incríveis toxinas, em razão do grau de poluição da água em que se desenvolveram.
Nas baias especializadas ao longo de Florianópolis não existe esse perigo. Num projeto em comum com a Universidade Federal de Santa Catarina e a Secretaria Especial da Aqüicultura e Pesca do Governo Federal, e mais os cerca de 160 maricultores de ostras e mexilhões registrados naquele Estado, está sendo implantado um programa de registro e certificação de qualidade daqueles produtos ali cultivados. Ostras que ganharam o selo de garantia de rigor sanitário, em todo o processo (da inseminação, crescimento, à colheita, embalagem e transporte), ostras com “Sif”, ainda são poucas.
É o caso da Fazenda Marinha Ostravagante, do empresário Paulo Constantino, um paulistano que se mudou em 1996 para as costas límpidas de Ribeirão da Ilha, vizinha a Florianópolis, sendo um dos pioneiros na atividade. As cerca de 12 mil dúzias de ostras obtidas mensalmente, nos dois hectares de mar pertencentes a Fazenda Ostravagante, ostentam o SIF e são direcionadas aos principais centros consumidores, viajando por avião, ou via terrestre, em frota própria de veículos climatizados – devidamente beneficiadas, limpas, livres de cracas e passadas em água com cloro, embaladas em caixa de isopor.
Cultivadas a partir de sementes fornecidas por laboratórios da UFSC, as ostras, da espécie Crassostrea Gigas, passam por vários processos até estarem maduras para colheita, explica o maricultor Paulo Constantino. As sementes começam a se desenvolver numa espécie de casulo, o berçário, que é deixado no mar por 3 semanas; depois são transferidas para bandejas, onde permanecem crescendo por mais um mês e meio; daí serão colocadas em ‘lanternas’, os cestos, até crescerem por mais 2 ou quatro meses e só então estarão prontas para a colheita. São comercializadas em 3 tamanhos: ostra baby, média e máster – de 7cm a 11cm, levando de 8 a 12 meses para atingir essas medidas. “As mais procuradas são as baby e médias”, afirma Alexandre Zampieri, representante da Ostravagante para o mercado paulistano, ele também com muita experiência no ramo, pois se formou com o pioneiro ostricultor de São Paulo, um francês radicado em Cananéia, o célebre Jacques, do criatório Jacostra – que se especializou na espécie nativa, a Gigas Brasiliana.
Com tamanha desenvoltura e produção altamente qualificada, o público brasileiro parece continuar indiferente à excepcional oferta atual de ostras, se queixam os produtores catarinenses em relação a um mercado insipiente. E alguns, como a Ostravagante, já se preparam para a alternativa do mercado externo, informa Paulo Constantino.
Pedagogia alimentar
Sendo o maior produtor do molusco no País, Santa Catarina acaba de dar um exemplo louvável, com a iniciativa de instituir as ostras como parte do cardápio de merendas escolares em suas escolas públicas. Com tamanha qualidade nutricional, e graças a alta produção local, nada mais inteligente do que adotar a ostra na dieta popular – e o melhor caminho é mesmo o da ‘educação do paladar’. E parece que as crianças, diante da nova merenda escolar nas escolas municipais de Florianópolis, aprovaram de imediato a novidade (as ostras são servidas cozidas, misturada em risotos ou omeletes, bem entendido). Um bom começo, sem dúvida, provando que iniciativas administrativas como esta, podem levar a um salto na qualidade de vida de populações menos esclarecidas.
Para o consumidor adulto que ainda tenha alguma reticência em relação ao assunto, é tempo de mudar os conceitos. Ostras, além de dar um show como dieta altamente nutritiva, sempre mantêm aquela aura de noblesse gourmand...Além de hotéis e alguns restaurantes de primeira linha a oferecer o produto, o brasileiro dificilmente costuma adquirir dúzias de ostra para deixar em sua geladeira de casa. À parte o desconforto e falta de habilidade para abrir as conchas, uma chance de mudar seus (pré)conceitos sobre o assunto, seria pensar em uma festa ou recepção à base de ostras in natura – e tudo regado a um bom espumante seco ou champagne!
Em São Paulo, o representante Alexandre Zampieri fornece in loco o produto catarinense, sempre fresquíssimo, também cuida dos possíveis molhos de acompanhamento e ainda da produção ornamental (tudo servido em barcas de gelo moído). E ainda providencia um especialista em destrinchar conchas herméticas... Um luxo! – que não engorda, não dá trabalho, faz um bem tremendo e ainda sai pela casa dos R$ 16,00 a dúzia (nov 2008), dependendo do tamanho da ‘estrela’ da festa... É como se sentir em Paris, no auge da bèlle-époquè!
Restaurantes
Alguns dos mais graduados restaurantes de São Paulo costumam trabalhar com ostras, tendo o cuidado de adotar exclusivamente fornecimento de produto proveniente de criatórios e acima de qualquer suspeita, entregue pontualmente dia sim, dia não, lá da ilha catarinense. O prato costuma ser servido como entrada, in natura, variando apenas a composição dos molhos, além do indefectível limão.
É o caso do tradicional reduto de frutos do mar, o restaurante Rufinos, que surgiu no balneário do Guarujá, e se tornou uma verdadeira lenda no tema de pescados, abrindo duas outras casas em São Paulo. Os proprietários, de origem espanhola, não poderiam deixar fora do cardápio a iguaria, que também costuma ser servida no bar da casa, como aperitivo para os drinques, como informa Juan Carmona, um dos donos.
O restaurante Amadeus, outro paulistano e tradicional especialista em sofisticada cozinha marinha, chegou ao requinte de providenciar um criatório próprio de mariscos e ostras, e uma fazenda marinha, na baía dos Golfinhos, em Floripa, para isso recorrendo a especialistas da Universidade de Oceanografia de Santa Catarina. O restaurante exibe um monumental balcão de ostras e outros petiscos marinhos, fresquíssimos, de produção própria, mas onde também pode ser encontrada a outra espécie, a Carassostéa Brasiliense, endereçada aos aficionados em seu paladar diferente, informa a chef Bella Masano, filha dos proprietários, Ana Maria e Tadeu Masano. “Servimos a ostra ao natural, mas eventualmente e a pedidos posso preparar um prato à francesa, gratinado no forno, cobrindo com molho ao borgignone, que leva manteiga, alho e salsa picados”, explica a chef de cuisine do Amadeus.
Receitas que já se tornaram famosas em São Paulo, especialmente entre aqueles que têm alguma resistência em relação ao molusco cru, são as assinadas pelo francês Alain Uzan, chef radicado em no País há nove anos e atualmente mostrando sua especialidade no alinhado restaurante Félix Bistrot, na Granja Viana, nos arredores da capital.
“Um clássico é a Ostra de Nantes au Gratin”, apresenta o chef francês, explicando que criou esse prato a partir de um molho célebre na região de Nantes, uma espécie de souce Bernaise, que leva apenas echalot (cebolinha roxa) e manteiga. Quem comeu das ostras assim preparadas pelo Alain, tenho certeza, não esquece jamais, mesmo sendo fã irredutível das naturais e ao vivo... Para completar, Alain acaba de lançar dois novos pratos que utilizam ostras (sempre cozidas): a Rockfeller, também ao forno, levando uma porção de ingredientes ricos e saborosos, numa espécie de coquille fartamente recheada; e Filé Mignon ao Molho de Ostras – uma adaptação de receita australiana que combina molhos temperados com brandies e licor de cherry, espinafre e cogumelos.
Mas em caso de não tolerar nem mesmo a aparência da inocente ostra, a sugestão fica com o restaurante Eñe, representante da ousada cozinha contemporânea catalã, que prima pelo conceito gastronômico diferenciado, e que os irmãos gêmeos, Sergio e Javier Torres Martinez, trouxeram no ano passado para a metrópole paulistana. A gastronomia do Eñe é baseada em tapas frias e calientes; entre elas figura o ‘Tartar de ostras con tomate de colgar’, ou ‘Ostra com pérola vermelha’. No interior de mini tomates se esconde uma ostra ao natural, mas numa textura impensável, pois é tratada num aparelho inventado pelos autores na revolucionária cozinha, uma máquina chamada Gastrovac. Só provando para entender...ou sentir.
Outro endereço de prestígio para ostras é a nova casa do restaurateur Cássio Machado, o Balneário das Pedras. Cássio, em suas outras oito casas, sempre deu o espaço que as pérolas da gastronomia merecem: um balcão só para elas, finamente ornamentado, ou, no mínimo, fazem parte de todos os menus de entradas. Cruas e nuas, naturalmente.
fonte correiogourmand
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