Esta entrevista do Dr. Alexandres Kalache, um dos maiores especialistas em envelhecimento no Brasil e no mundo, ao Correio Brasiliense não é nova. Mas sua leitura é tão interessante e o tema tão atual que decidi publicar aqui no 50emais. O médico, que já foi diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) defende a educação continuada como estratégia para inserir o idoso na sociedade. “As pessoas estão querendo viver cada vez mais longe, mas não estão pensando na velhice. A gente ainda tem muita dificuldade de enfrentar a velhice no nível pessoal”, diz ele.
Leia:
Perceber-se velho
Quando a gente pergunta para as pessoas a idade que elas esperam morrer, é sempre acima dos 80, dos 90 anos. As pessoas estão querendo viver cada vez mais longe, mas não estão pensando na velhice. Elas estão pensando que vão chegar lá igual passarinho, que está voando, aí, em pleno voo, tem um ataque cardíaco e puff! A ficha não cai. A gente ainda tem uma cultura muito de idolatria da juventude. O que é belo é o jovem. E, se ficar velho, tem que ficar no aposento. A palavra (aposentadoria) em português é até discriminatória: botar no aposento, fora de vista, em exclusão.
Rede de proteção
Como a gente ainda tem muito estigma, muita dificuldade de enfrentar o envelhecimento a nível pessoal, a gente projeta isso na sociedade. E uma das dificuldades é o preconceito contra a institucionalização (dos cuidados com a terceira idade), quando a família brasileira não é a que eu cresci quando era garoto. É uma família fragmentada. A gente ainda coloca o ônus na mulher, para que ela trabalhe, crie os filhos, cuide dos idosos, pague a aposentadoria, dê conta de tudo. Quando, na verdade, a gente tem é que “desestigmatizar” a institucionalização, melhorar o nível das residências, dos abrigos, para que deixe de ser um tabu, e que a gente enfrente. Por exemplo, eu tenho um irmão que já se casou quatro vezes. Minha mãe tem 95 anos e tem Alzheimer. Se ela dependesse só dele, qual das noras ia cuidar dela? A primeira se foi há tanto tempo que não pertence mais ao ambiente familiar. A segunda foi um divórcio complicado. A terceira morreu. E a quarta entrou na família há três anos, já encontrou minha mãe demenciada. Qual é a história de vida, a lealdade, o compromisso?
Trabalhar sempre
O trabalho perfeito para o idoso é, primeiro, aquele para o qual ele se preparou através de educação continuada, para que ele esteja sempre energizado e se renovando, com base na experiência. Segundo, é aquele que permite se adaptar a condições físicas diferentes daquelas dos 25 anos. Eu te falo claramente: não tenho mais a energia física, a força ou a velocidade que tinha aos 25. Mas tenho a experiência. Então, qual é o trabalho ideal para mim? É aquele que eu possa oferecer com base na experiência, mas sem esperar que eu dê três plantões por semana. Não tenho esse pique hoje, mas tenho pique para sair pelo mundo viajando — cheguei da Austrália ontem e estou aqui, dando conta do recado. O que eu faço hoje não poderia fazer há 20, 30 anos. E vice-versa. Então você tem que se adequar, mas o fundamental para manter a empregabilidade é ter saúde e educação continuada. Se eu não tivesse aprendido alguma coisa nos últimos anos, você não estaria me fazendo perguntas, pois eu não teria o que dizer. Essas duas coisas permitem a participação integral na sociedade.
Revolução da longevidade
Nós estamos atravessando um período sem precedentes na história da humanidade. Para te dar uma ideia: nasci no Brasil em 1945, quando a expectativa de vida era de 43 anos. Hoje é 75 — são 32 anos a mais de vida. Enfatizo “de vida” porque não são 32 anos de velhice. E essa expectativa maior passa a ter um impacto em todas as etapas do curso de vida. Não é só para quem já chegou lá. Você tem que estar ciente, sendo jovem, de que sua expectativa é de viver muito mais que os seus pais, que dirá dos seus avós. Mas a gente ainda mantém padrões e valores de quando a vida era muito mais curta. O grupo da população que mais está aumentando no mundo todo é de 58 anos ou mais. A população como um todo, neste século, vai aumentar 3,7 vezes. E a população com mais de 85 vai aumentar 23 vezes. Isso é uma revolução. Estamos falando do futuro imediato de quem é adulto hoje. Então do ponto de vista demográfico está claro, mas, do ponto de vista do cuidado, fica mais claro ainda. Por isso, precisamos desenvolver uma cultura de cuidado como resposta à revolução da longevidade.
Quarta idade
A quarta idade é diferente da terceira idade? É, muito. Você pode prevenir tudo o que for prevenível. Pode tratar tudo o que for tratável, mas vai continuar com uma parcela importante desse grupo de indivíduos com 85 anos ou mais que vai ter ou problemas cognitivos (sobretudo, doença de Alzheimer) ou sofrer fragilidade biológica. Por exemplo, a pessoa tem um derrame. Você pode fazer tudo para que ela se recupere, mas muitos vão seguir anos numa dependência grande ou total de quem lhes cuide. Os anos a mais de vida que o paciente tiver serão de cuidados.
O Estado não é suficiente
Você tem a família, o poder público (cujas prioridades competem entre si) e o terceiro setor. Por sermos um país pobre, que está envelhecendo rapidamente — na contramão dos países mais desenvolvidos, que primeiro enriqueceram para depois envelhecer —, não tivemos nem tempo nem recursos para substituir o cuidado da família pelo do poder público. Se o Estado de bem-estar social está em crise na Europa, imagina se teremos recursos para desenvolver as mesmas políticas e substituir o cuidado da família. E a sociedade civil? Isso passa pelas igrejas, pelas ONGs. Mas, no Brasil, ela não está mobilizada para o cuidado complementar quando a família não pode. Antigamente, havia as Santas Casas. Hoje, elas estão empobrecidas, com muito menos voluntários do que antes. Por isso, chamo de “cultura de cuidados”, por incluir todos os setores. Nós todos temos de dar as mãos para enfrentar esse desafio. Hoje, o Brasil tem 12% de idosos e, antes de 2050, terá 30% — é um envelhecimento rapidíssimo.
As repúblicas de idosos
(Esse tipo de iniciativa) é uma gota d’água no oceano. Tem um lado interessante. Venho de um tempo em que os estudantes universitários que moravam longe da família se organizavam em repúblicas. Hoje, alguns deles repetem a história de vida, organizando repúblicas de idosos. Mas não vejo isso como uma resposta de massa. Tem um detalhe: está tudo bem quando estão todos autônomos, independentes. Mas e quando um fica doente, fica com Alzheimer, tem um derrame? Essa estrutura funciona bem para a terceira idade, mas para a quarta não.
Um tabu a ser vencido
Em países como Alemanha, Suíça, Inglaterra, a proporção de idosos vivendo em instituições é muito maior do que aqui. O que a gente precisa no Brasil? Primeiro, vencer o tabu de que institucionalização é sempre ruim. Muitas vezes, não. O que a gente precisa é batalhar pela qualidade dessas residências. Se isso acontecer, as pessoas não vão se sentir tão culpadas. Hoje, quando você ouve falar que a família colocou o idoso numa residência, de imediato, a reação é de condenação: “Puxa, aquela mãe que fez tanto pelos filhos, agora esses ingratos a mandaram para um asilo.” Não é bem assim. Muitas vezes, não tem outra solução. Os filhos estão morando longe, todo mundo trabalha. Uma institucionalização pode ser melhor até para poder dar um meio ambiente para esse idoso e ele não terminar isolado.
fonte http://www.50emais.com.br/
0 comentários:
Postar um comentário