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quarta-feira, 8 de maio de 2013

Júlio César partiu e levou com ele sua irreverência, alegria contagiante e sua imensa bondade. Paulo Konder Bornhausen



Júlio César partiu e levou com ele sua irreverência, alegria contagiante e sua imensa bondade.

Paulo Konder Bornhausen

A longevidade é uma benesse divina, principalmente pata aqueles que conseguem conservar a mente perfeita e a saúde física compatível com os anos vividos.
Por outro lado, é um rosário de tristezas constantes. Cada dia que passa, agradeço a Deus por mais um dia dessa maravilha que é a vida, mas também ela é quase sempre interrompida para chorarmos. É o inexorável destino. Chorarmos, por vermos um ente querido, parente ou amigo, partir para o além. O pior é que temos consciência de vai ser sempre assim até chegar a hora de Deus nos convocar.
Para mim, essa dor é ainda mais amarga, pois tenho a compulsão incontida de fazer a cada um dos mais íntimos, uma homenagem póstuma a meu jeito.
Há menos de um mês, perdemos o Kika, o nosso Marcos Francisco Heusi, hoje choro a partida de um dos mais queridos amigos de infância, companheiro na juventude, na meia idade e irmão na velhice, o Júlio César.
Seria menos doloroso dele despedir-me, se resumisse simplesmente; o Júlio foi uma festa e sua bondade sua maior qualidade. Porém esse amigo especial, era, foi, muito mais do que isso. Faltaria espaço para dizer o que estou sentindo e descrever a figura desse grande companheiro, irmão por adoção.
O Júlio César era o mais velho dos filhos da tia Candinha e do Anibal César. Não teve vida fácil, embora, nunca perdesse a sua alegria, seu otimismo, mesmo ante aos grandes obstáculos que o destino lhe aprontou, desde sua infância pobre, morando modestamente com os pais e os três irmãos, numa pequena casa na Vila Operária, em Itajaí.
Tia Candinha era o que o Júlio foi, uma criatura coroada pela bondade. Já o pai, Anibal César, nem sempre bem humorado, irreverente e crítico, principalmente quando o assunto era política. Getulista fanático, de quem não admitia qualquer restrição. Partia direto para a briga.
Dele, me recordo uma passagem inesquecível. Estava na “cocada”, um banco redondo, em frente à praça da velha Matriz, sempre muito frequentado, quando cheguei com o Lito Seara, Bento Dauer e o Nino Tedeu, antes mesmo de saudá-lo, exclamou com todo a prosa –“Fiquem sabendo que para o meu orgulho, meu filho Júlio César esteve ontem com o Ministro da Guerra, General Góis Monteiro”. A nossa reação foi conjunta: “Parabéns Anibal!”. Júlio servia o exército na Policia Especial no Rio de Janeiro, que era chamada de “Catarina”, tal o número de catarinenses que a integravam. Depois ficamos sabendo, pelo próprio Júlio, que a façanha contada pelo pai, foi de fato a entrega de uma carta do Comandante de PE, que ele levou à casa do General Góis Monteiro.
Anibal faleceu cedo, e o Júlio assumiu a condição de pai e com a morte da tia Candinha, criou seu irmão mais moço, o Nico, que assim como os demais já faleceram.
Aí então a coisa, como ele dizia “ficou preta”. Teve que “se virar” como biscateiro para sustentar a família, foi um longo e penoso período até que o seu tio Pedro Salles, nomeado Presidente do Instituto Nacional do Pinho, colocou-o em seu quadro de funcionários. Antes disso, fundamos em Itajaí, uma casa de “Caça e Pesca” para ele dirigir e que depois passou ao irmão Binha.
Em Itajaí estávamos sempre juntos e o nosso maior divertimento era pescar, seja no Costão de Cabeçudas, na Praia Brava, nas ilhas das Galés e do Macuco.
Em sua Itajaí, graças a sua inteligência, humildade e capacidade de fazer amizades, foi tudo. Desde técnico a Presidente do Marcílio Dias, sua grande paixão, só igualável a pesca, ao seu adorado Flamengo e a sua amada família. Foi vereador, Presidente da Câmara Municipal, Prefeito e diga-se um grande Prefeito. Quando estava na Prefeitura, eu era Diretor do Banco do Brasil e consegui, com o Ministro Delfim Neto, que doasse a Prefeitura o prédio da Alfândega, já que era impossível continuar no local, hoje museu, construído por meu tio Marcos Konder, quando Prefeito. Também dei início às obras do novo prédio do Banco do Brasil.
         Lembro-me bem, que anteriormente, quando tia Candinha era viva e já morava no centro da cidade, que em uma madrugada lhe acordamos com umas três dúzias de siri, que pescamos e para espanto dela, fomos para a cozinha e colocamos os pobres “bichinhos” numa daquelas antigas máquinas de moer carne, com manivela, formando uma pasta que com água quente virou sopa e tomamos para minimizar os efeitos dos muitos “underbergs” que havíamos tomado.
         Quando estava no Rio, o introduzi e o Pimpa, que moravam na Domingos Ferreira, com a vó Julieta, na minha turma da Faculdade, o Pardillas (neto de Epitácio Pessoa), o Luiz Moreira, o Plínio Bueno e o Roberto Bergallo, entre outros.
Nos fins de semana nos reuníamos para curtir a noite. Era o Rio “dos anos dourados”, fim da década de quarenta e início da década de cinquenta. A época dos “inferninhos”, do “Beco das Garrafas” da travessa “Joga a chave meu bem”, das boates Drink, Casablanca, Night Day, Plaza, Oasis e tantas outras que percorríamos até o dia amanhecer, na esperança de “ciscar” uma das vedetes, um verdadeiro “timaço” de beldades, Carminha Mascarenhas, Nélia Paula, Núcia Miranda, Norma Bengell, Irene Hosko, Anilza Leone, Iris de Oliveira, Norma Tamar, Carmem Verônica, Maysa Matarazzo, Renata Fronzi, Darlene Glória, Rosinha Lorcal, Rose di Primo, Dolores Duran, Silvinha Telles e tantas mais, que como dizia o amigo, companheiro de nossas noitadas, o maior seresteiro do Brasil, Silvio Caldas, era um “chão de estrelas caídas lá do céu”. O Júlio, o mais “duro” entre nós, saia muito mais cedo, pois além de tudo tinha que se apresentar ao quartel.
Certa feita numa destas noitadas colocamos o Araquem Peixoto (irmão de Cauby Peixoto) tocando o seu piston na capota do motor do meu citroen e com o Júlio, a frente do carro, “abrindo alas”, paralisamos o trafego da Avenida Atlântica em Copacabana. Foi uma confusão dos diabos, com policia e tudo.
Júlio César foi um dos melhores “cabos eleitorais” da minha eleição para deputado Estadual em 1954, quando despertou para a política.
Eleito e já em 1958, quando eu no exercício de Secretário de Interior e Justiça do Governo Heriberto Hulse, participei de inúmeras instalações de Comarcas, umas delas, foi do Município de Penha, cujo Prefeito era o Jóca e o Juiz da Comarca de Itajaí o Dr. Horn. Júlio me acompanhou na solenidade, evento, aliás, em que conheceu a mãe de seus três filhos.
Após a Cerimônia, o Jóca ofereceu um coquetel na “Sociedade amigos da Penha”. Nesta época existia um famoso cidadão conhecido por Maneca, que explorava o jogo clandestino em Camboriú e arredores. No coquetel estava o Maneca. O prefeito organizou uma mesa retangular, com salgadinhos e num dos cantos da mesa, em forma redonda colocara belíssimas flores. Entreolhamos desconfiados e disfarçadamente o Júlio levantou a toalha branca bordada e se defrontou com o pano verde. Era a mesa de roleta e as flores haviam sido colocadas no buraco giratório da mesma. Procuramos afastar o Juiz Horn para longe do local, evitando uma provável grande confusão para o Prefeito Jóca.
Ainda no Governo de meu pai, Júlio foi nomeado cartorário em Itajaí, do qual foi destituído mais tarde pelo Governador Celso Ramos, retomando-o anos depois na Justiça.
Com a perda do Cartório, licenciou-se do INP e foi trabalhar na Lutcha, em Guarapuava no Paraná, para onde levou também a família.
No Governo Janio Quadros, quando fui nomeado para a Presidência do Instituto Nacional do Pinho, Júlio retornou as suas funções no INP, até a vitória na Justiça com a devolução para ele do cartório, que de direito lhe pertencia.
Se infeliz no casamento, diga-se infelicidade que nunca revelou, teve o privilégio de construir uma família que era tudo o que mais amava. A filha Izabela, alta funcionária do Tribunal de Contas, casada com o Engenheiro Luis Portella, a Júlia, dentista, casada com o Dr. Roberto Duscke, residentes em Curitiba, e o Julinho, casado com uma cartorária de São José dos Cedros, no oeste catarinense, além dos netos, que formavam como costumava dizer, o seu tesouro. A recíproca era verdadeira, eles filhos e netos adoravam o pai e avô.
Foi Deputado, Presidente da Assembléia, respeitado pelos seus pares e venerado pelos seus funcionários.
Do Jorge, meu irmão, seu grande amigo, foi excepcional auxiliar tanto no seu Governo, como quando exerceu o cargo de Ministro da Educação.
Não devo esquecer que graças a sua disposição e esforço, formou-se em Direito, muito embora nunca tenha exercido a profissão.
Não havia quem não o admirasse em todas as classes sociais.
Quando voltei a Florianópolis, tendo a frente o saudoso Hélio Guerreiro, eu, o Júlio e mais cinco amigos, compramos uma lancha “Susa” que era comandada pelo amigo marinheiro Alírio (o melhor pescador que conheci na vida) com o qual fizemos indescritíveis pescarias. Íamos ao norte nas Ilhas da Deserta, Badejo, Moleques e num cascalho de oitenta metros de profundidade, a uma hora e meia da Ilha do Arvoredo, que nos reservava uma multiplicidade de grandes chernes e pargos. Ao sul, as Ilhas das Irmãs, o parcel da Pinheira, a Ilha do Coral e ainda num cascalho a duas horas de mar aberto em que pegamos o nosso maior trunfo, já aí na lancha do não menos amigo, Arlindo Isaac da Costa. Um mero de mais de oitenta quilos, num campeonato do Veleiros da Ilha, e fisgado pelo Arlindinho.
Terminada essa fase, passou a pescar nos rios, no Pantanal, nos afluentes do Amazonas, no exterior. Tendo como companheiro na maioria das vezes, meu genro José Antonio Farias.
A verdade é que a vida de Júlio, mais tarde morador de Cabeçudas, e integrante da “turma” que fazia inveja a muita gente, é impossível de ser contada pelo espaço que ocuparia para fazê-lo, com a descrição da nossa amizade, aventuras mil. Tarefa impossível.
Difícil, melancólico, triste, consternado é chorar sua partida. Sua falta nunca será preenchida.
Seus últimos anos foram dolorosos para nós, seus amigos e seus familiares. Ele nunca se queixou, queria viver e com alegria.
Ainda que tivesse consciência que o cigarro lhe vitimaria,quando por nós censurado, na sua conhecida irreverência respondia “Seus babacas, o Churchill tragava charutos e passou dos oitenta e vou ser assim também meus amigos”. Não foi bem o que aconteceu. Primeiro um câncer que o obrigou a retirar um pulmão, que enfrentou com galhardia, não perdendo o seu humor e alegria. Depois, o efisema mortal.
Jorge, principalmente e eu, volta e meia íamos visitá-lo na sua bela residência da Lagoa. No almoço dos meus oitenta e dois anos era o mais animado e o grande contador de piadas.
Nos últimos meses a saúde foi se agravando e em questão de dez dias teve que ser internado no Hospital de Caridade, pois mal respirava, ainda que com o auxílio de aparelhos, que passou a ser necessário.
Foi para UTI e no dia que retornou ao quarto cheguei para visitá-lo, entrando com sua neta Luiza e a filha Izabela, incansáveis nos cuidados com o avô e pai. Fiquei minutos, pois ele estava com uma máscara de oxigênio, que escura, mal dava para ver sua fisionomia.
Entreguei-lhe um terço, bento em Nossa Senhora de Fátima em Portugal e ele consciente me estendeu a mão esquerda trêmula, fazendo sinal de agradecimento.
Cheguei em casa desolado. Avisei ao Jorge que estava a caminho de Uberaba em Minas Gerais, mas fez questão de vir a Florianópolis para visitar seu grande amigo, ainda com vida.
Telefonou-me e triste me disse “Paulo, o Júlio não tem mais volta. É questão de pouco tempo. Não adianta você voltar a vê-lo, pois lhe fará muito mal e o deixará constrangido pela situação, pois está consciente e já manifestou as filhas, genros e netos que estava no fim”. E assim, não poderia realizar o seu grande desejo de assistir, em dezembro, a formatura do neto Luis Arthur Portella e em março de 2014, da sua neta Luiza.
Rezei, chorei uma vez mais pelo desenlace previsto.
Perdi hoje um grande pedaço da minha vida, senti o meu coração lascado, mas quero sempre lembrar-me, enquanto vida tiver, somente daquele Júlio César, irreverente, alegre e imensamente bondoso, de uma fidelidade inigualável aos seus amigos.
Que Deus se compadeça de você meu amigo Júlio. É tudo.
Será assim com todos nós. É a vontade de Deus. Que Ele te abençoe grandemente. Amém.

Um comentário:

  1. Maurício Cesa Pereira8 de maio de 2013 às 17:34

    Paulo, compartilho a tua dor. Devido a grande amizade que tive com o Nico, convivi muito com o Júlio e com o Binha. Guardo as melhores lembranças da irreverencia e das brincadeiras dele. Seu texto é uma grande e bonita homenagem. Abs Maurício

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